Eliana de Freitas

Que histórias são essas?

Textos

CHICO MENDES, BUSSUNDA E ALEMÃO

Por Jair Alves - dramaturgo/SP

O mínimo que se pode dizer é que os dois capítulos da minissérie AMAZÔNIA, dos dias 3 e 4 de abril, provocaram um sentimento contraditório, nem por isso deixou de revelar a tragicomédia que estamos vivendo. Ao mesmo tempo em que era conhecido o vencedor do BBB, com votação superior a 90% dos fanáticos seguidores, esperavam os expectadores notívagos, na terça feira, a aparição dos personagens da terceira e última fase da obra de Gloria Perez, que prometia tratar de cabo a rabo tudo o que envolve a Amazônia brasileira. Na quarta feira, já sem o stress competitivo provocado pela cultura do inútil, alguns saudosistas do tempo do futebol-arte esperavam um feito que, afinal, não aconteceu, ou seja, que Romário marcasse o seu milésimo gol. Nos parcos 20 minutos de encenação do capítulo a emissora procurou esgotar, talvez um dos conflitos mais significativos de nossa era - a série de assassinatos de seringueiros e o desmantelamento da região, conhecida como Amazônia legal. Foi constrangedor o resultado apresentado pela TV Globo, não por falta de recursos financeiros, disso sabemos, muito menos falta de material humano, como veremos.

A aparição de alguns poucos minutos de um ator interpretando Lula, discursando, foi patética. Seria melhor que fosse substituída por aqueles imitadores de programas humorísticos, porque assim ficaria muito claro o que a emissora pensa a respeito do ex-líder sindical e hoje presidente da Nação. De todos os imitadores de Lula, ao nosso ver, Bussunda foi o que melhor se saiu, porque não perdoou cada gesto de seu ex-ídolo, transformando sua imitação numa deliciosa crítica. Mas o humorista também se foi, como Chico Mendes. Bussunda também imitava o seringueiro, repetindo que estava com "o saco cheio" daquela conhecida piada que dizia que 'seringueiro ficava o dia inteiro tirando leite do pau'. Na minissérie que promete seu final para esta semana não sabemos se entramos na emoção que a história nos provoca ou se gargalhamos das gafes. Na terça-feira o expectador foi submetido a um exercício impressionante de cultura novelesca, quando o único elemento que dispunha era o de que o assassinato do sindicalista Wilson Pinheiro ocorrera no exato momento do capítulo final de uma determinada novela, levada ao ar, é claro, pela própria emissora. Com isso, a TV tipificou seu padrão de cultura e informação, quando se apresenta como o único referencial para todo e qualquer assunto.

Mais uma vez, é bom repetir a confusão provocada, de um lado pelo amadorismo de outro uma certa opulência, quando premia os expectadores com um elenco de botar inveja a qualquer superprodução de Hollywood. Há três meses estamos acompanhando a prova de um surrealismo puro. Com isso, é difícil exigir do expectador, em especial do jovem, a mínima coerência nas suas avaliações. Afinal, quem é mais importante no momento? Chico Mendes, com sua história épica para todos os brasileiros, ou um pobre diabo por apelido Alemão? Agora, um rico pobre diabo e futuro freqüentador de todas as revistas comerciais do Brasil e dos programas de TV de outras emissoras, que sobrevivem das rebarbas da recém-celebridade.

A nossa tragédia não encerra ai, embora em muitos casos somente rir nos faz relaxar. Por curiosidade e persistência fomos pesquisar nos sites do partido dos trabalhadores e da CUT e não encontramos uma única palavra, a respeito do assassinato do líder sindical Wilson Pinheiro, levado ao ar pela emissora-padrão. Afinal, “está saindo na Globo!!!”. Era de se esperar uma repercussão, a mínima que fosse. É bom dizer que este partido criou, antes da morte de Chico Mendes, uma fundação com o nome do sindicalista e seringueiro Wilson Pinheiro; depois a organização caiu no esquecimento, numa macabra parábola que os dirigentes não se aperceberam. Nós não vamos facilitar a vida desses dirigentes, dizendo aquilo que não perceberam; vamos continuar, como se diz no BBB - "na nossa".

A minissérie termina nessa sexta-feira santa e, nesse dia, "novamente" morre Chico Mendes. Esperamos que não seja uma morte definitiva. Esperamos que as dezenas de jovens, bonitos e talentosos atores e atrizes que surgiram na minissérie sirvam de inspiração para os milhões de outros jovens expectadores que hoje sonham, um dia, estar na pele de um “alemão”, “árabe”, ou “português” do BBB.

Para finalizar, talvez se a Rede que se vangloriou por ter criado, em computação gráfica, o envelhecimento virtual do personagem Firmino (um ser ficcional) e que deixou o ator José de Abreu preocupadíssimo ("que horror, quando eu envelhecer vou ficar assim?") pudesse usar o mesmo recurso para recriar uma realidade - Lula discursando com 27 anos menos. É possível que o resultado fosse mais convincente e não parecesse tão caricatural. Mas isso a Globo não quer. O que prova que a emissora só é capaz de reproduzir e produzir a fantasia, incapaz, portanto, de nos revelar a fundo à realidade em que vivemos. 

Eu não poderia deixar de publicar esse texto de Jair Alves. A minissérie Amazônia dedicou mais capítulos a Deusuíte do que a Chico Mendes, simplesmente inaceitável. Obras como essa dão ao telespectador a sensação de serem instrutivas, históricas, tem que ter um compromisso maior com os fatos e as verdades.
Minha expectativa sobre a minissérie foi frustrada, ela não foi um projeto cultural, foi apenas mais um entretenimento, como o Big Brother, que também assisti. É, meus colegas, ninguém é perfeito.

Eliana de Freitas
Enviado por Eliana de Freitas em 05/04/2007
Alterado em 27/10/2008
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