Eliana de Freitas

Que histórias são essas?

Textos

Vila Madalena - sobra boemia falta educação.

Resolvi escrever este artigo contextualizando-o na Vila Madalena, pois foi nesse bairro que vivi os episódios que se seguem, mas acredito que infelizmente a postura ou a falta dela constatada, ocorra em vários outros bairros pelo Brasil afora.
A Vila Madalena é conhecida por seus bares, restaurantes, ateliês, escolas de artes, organizações não governamentais voltadas à cultura e sua gente politizada, engajada e boemia. Um bairro charmoso, com cara de inteligente.
A Secretaria da Cultura do Governo do Estado de São Paulo viabilizou a publicação e lançamento do livro João do rio, 45 de Mouzar Benedito, pela editora que trabalho. Entre as exigências de praxe quanto à tiragem, aposição de logomarcas e distribuição gratuita às bibliotecas, o apoio nos obriga a apresentar pelo menos duas palestras sobre literatura e a obra patrocinada em escolas públicas.

João do rio, 45 fala do cotidiano de jornalistas, artistas, estudantes, militantes, pessoas que viviam numa casa na Vila Madalena no fim da ditadura, comecinho da anistia e da volta à democracia. O título do livro é o endereço desta casa, onde o autor viveu várias histórias com seus companheiros, comparsas e cúmplices.

Como a trama se passa numa casa da Vila Madalena, quando preparei este projeto cultural para pedir a verba ao Governo do Estado, idealizei que o melhor seria que as palestras acontecessem em escolas desta região ou de Pinheiros, um equívoco de planejamento, para mim imprevisível, vou contar o porquê.

Verba recebida, livro produzido e distribuído, comecei a contatar as escolas. Primeiro por e-mail, apresentando o projeto, informando que não haveria custo algum à escola e aos alunos, que antecedente às palestras seriam doados dez exemplares da obra, e que no dia que elas escolhessem, o autor estaria gratuitamente lá para fazer a palestra, ter um bate-papo com os alunos e responder dúvidas sobre literatura e sua obra. No e-mail eu apenas pedia, que caso não houvesse interesse da escola em participar, fornecesse uma carta sobre esta decisão.

Deixe-me explicar este ponto, como no planejamento eu informei à Secretaria que as palestras seriam feitas nestes bairros, eu só poderia oferecer o projeto para escolas de outros locais, depois de comprovada a impossibilidade de realizá-lo onde foi planejado.

Desculpem-me este excesso de detalhes burocráticos, mas é para que compreendam os trâmites que estão atravancados.

Em curtas palavras conto, nenhuma escola respondeu ao e-mail enviado.

Passados dias, resolvi imprimir uma carta com o mesmo teor do e-mail, juntei um exemplar do livro e entreguei em três escolas, pedindo que manifestassem o desejo ou não de participar.

Passadas duas semanas, mais uma vez nada.

Reimprimi a famigerada carta e voltei em cada uma das escolas, pessoalmente. Duas delas sequer a coordenação ou direção me receberam, numa, a pessoa para quem tinha sido entregue em mãos dizia não se lembrar de nada. Sim, fui estúpida, não solicitei protocolo. Na terceira escola, como eu adoraria me sentir à vontade para citar o nome da instituição...

Estacionei, pode parecer bobo mencionar esta ação para os que não conhecem o centro e os bairros mais frequentados da capital paulista, porém tenham certeza, é um desafio parar o carro em São Paulo. Não me deixem perder o foco, qualquer dia desses, postem um comentário criticando esse habito que eu tenho de comentar todos os problemas do mundo num único texto e ir pra lá e pra cá rondando o tema, costurando-o numa colcha mundana de retalhos.

Cheguei ao guichê da secretaria da escola, numa antesala até grande, a recepcionista lembrou-se do projeto entregue, eu informei que gostaria de falar com a coordenação, a moça sumiu por uma porta detrás dela.

Esperei. Esperei. Só mais um pouco esperei. A moça voltou e me perguntou se eu tinha marcado hora. Eu disse que não, que só queria saber a resposta ao nosso convite, novamente ela sumiu por aquela porta.


Esperei. Esperei. Só mais um pouco esperei, sendo bem sincera a essa altura eu já estava disposta há passar o dia naquela antesala.
O local era em frente à saída dos alunos e por sinal, não era hora de saída ou de entrada, separado da secretaria por um guichê de vidro e naquele momento além de mim, havia pouco mais de meia-dúzia de adolescentes brincando lá.

Pareceu poética a frase: adolescentes brincando lá... Parem de se iludir, elas, a maioria eram mocinhas, brincavam de pegar umas nos seios das outras, todas mantinham as mãos em volta dos seios e os olhos nas companheiras para a qualquer distração, torcer o bico dos peitos das outras. Eu não conheci essa brincadeira na minha adolescência.

Esperei. Esperei.

Três rapazes juntaram-se à turma de moças, queriam entrar na brincadeira, como eles não têm seios, entrariam com o pinto para ser pego. Eu estou escrevendo pinto, mas eles disseram c...... Recuso-me a reproduzir essa palavra aqui no meu sítio literário, mesmo na minha sessão de textos eróticos evito palavras de baixo calão.

A algazarra que no começo da minha espera já era totalmente inadequada, começou a ficar insuportável e enquanto isso, umas três pessoas continuavam seus trabalhos na secretaria e a jovem que me atendeu, veio me informar que a escola analisou e não tinha interesse.


Eu agradeci a analise e perguntei em que dia eu poderia voltar para retirar a carta que informava esta decisão. A moça saiu por aquela porta, mais uma vez.


Esperei. Esperei.


O barulho dos alunos, suas risadas, seus palavrões e apertos, deixem-me ser justa: as meninas não tentaram pegar os pintos dos garotos, só eles timidamente fingiam que tentavam pegar os peitos delas. E elas sem cerimônia, quando tinham chance apertavam os seios umas das outras. Embora para mim a cena e a balbúrdia fossem totalmente descabidas para adolescentes e inexplicáveis por estarem acontecendo dentro de uma escola, para os profissionais daquela instituição devia ser normal, pois nem se abalavam, continuavam em seus afazeres burocráticos, até que uma das alunas deu um grito tão alto, que o bedel veio ter o que ocorria, sorriu para os alunos e pediu que eles saíssem e fossem para a rua.


A educação nova deve ser esta e eu nem sabia: local para menores praticarem atos libidinosos é na rua e longe dos olhares dos adultos, principalmente dos seus educadores.


Esperando, esperando, local em silêncio.


Finalmente:

- A coordenadora irá recebê-la.

A porta se abriu, serei recebida, conversaremos, eu contarei a ela a cena que vi na antesala... Mesmo que não possa ou não queira as palestras, pelo menos me recebeu. Mal entrei na sala da coordenadora:

- Eu não vou dar carta alguma para a senhora informando que não queremos o projeto, eu não tenho qualquer obrigação de dar uma carta da escola para uma editora. - Assim ela me recebeu. Sabe aquele papo de integração escola comunidade, pela melhoria da educação? Esqueçam, caros leitores, este conceito não passou nesse episódio.

- Como a senhora se chama? Prazer sou Eliana de Freitas. 

- Panranran, panranran, panranran – ela disse o nome dela, que vontade de revelar a vocês.
- Então, senhora, de fato vocês não tem essa obrigação, mas isso me prejudica, pois sem provar que fui impossibilitada de realizar tal projeto nesta região, fico de mãos atadas para oferecer a outros bairros.
- Que projeto? Nós não recebemos nenhum projeto, minha filha. Pensa que pode chegar aqui na escola dizendo o que vai falar para os alunos, educação não é assim não, tem que ter planejamento, uma palestra tem que ser agendada com antecedência, avaliada se interessa.
- Então, a senhora avaliou o projeto? Nós entregamos há semanas aqui na secretaria para ser avaliado, antes mandei para o seu e-mail, hoje vim saber a resposta, como a senhora disse não ter interesse, preciso desta carta.

A coordenadora foi enfática em dizer que não recebeu projeto algum, só recados meus de boca e chamou a recepcionista que no início dessa presepada me atendeu.


A funcionária entrou se arrastando pela sala, disse que tinha dado o projeto à ela no dia em que chegou. A coordenadora repreendeu a funcionária, desmereceu a memória desta, então, por entre pilhas e mais pilhas de papel na mesa da coordenação, a recepcionista começou a procurar os documentos que tinham sido entregues.

A coordenadora ficou um tanto embaraçada... Não é que o projeto estava na mesa dela, embaixo de uma bagunça de papéis que nem eu poderia ter feito melhor?

Ela pegou, gastou alguns minutos lendo na minha frente, percebeu que caso ela depois de analisar, ler o livro, ou entregar a análise a algum professor que acreditasse adequado para isto, poderia recusar com uma carta ou aceitar e escolher quando, como e para quem.


Aumentou um pouco o embaraço dela, quando viu o timbre da Secretaria da Cultura na carta, perguntou-me algumas coisas, eu respondi, me pediu mais tempo para analisar, imputou alguma culpa que houvesse na recepcionista que tinha colocado o projeto embaixo de uma das pilhas dos papéis dela. Deu-me o telefone para eu dali a alguns dias ligar e pegar a minha resposta, me garantiu que depois de analisado, caso ela não tivesse interesse, me forneceria um documento comunicando esta decisão.


Eu agradeci, não lhe informei das cenas dos alunos que presenciei na escola, não a repreendi pelo mal serviço que faz, esperei até o desfecho da suposta análise que ela faria, para reiterar minhas conclusões a tudo o que aconteceu.


Há dias, fui informada que o projeto não foi sequer lido, agora está na mesa da diretora, que não pode nos receber, está muito ocupada. Disseram que nos telefonarão quando tiverem uma resposta.


O que eu posso fazer? O que eu posso fazer? O que eu posso fazer?


Eu preciso ser uma agente de transformação social. Tenho que ser responsável por aquilo que me cativa, lembram desta frase naquele livro? Estou brincando, no Pequeno príncipe a frase é: Você é responsável por aquilo que cativa. Como um me, duas letrinhas, fazem tanta diferença. Mas, voltando, o jovem me cativa, a educação me cativa, só os profissionais de educação da Vila Madalena não. Vou poupá-los, leitores, dos verbos e adjetivos que eu poderia usar para exprimir o que sinto em relação a eles.


Mas voltando, o que eu posso fazer?

Por enquanto, só escrever: na Vila Madalena sobra boemia e falta educação.
Mas é só por ora, me aguardem.
Eliana de Freitas
Enviado por Eliana de Freitas em 14/05/2009
Alterado em 05/06/2009
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